Por Luciana Pinsky
Preciso nadar.
Porque o ex era até interessante, mas o relacionamento se desgastou, quis mudar, apostei no bad boy. O bad boy mostrou-se péssimo. Primeiro ato: tapa na cara.
A areia molhada pela onda está quente: sinal de águas mornas. Preciso nadar.
Porque a mãe partiu na frente do filho pré-adolescente, o amigo querido que tanto se protegeu está no hospital há meses, o jovem que salvava vidas no mar terminou tragado por ele.
Esticar bem o braço para puxar água lá na frente. Nadar é preciso.
O rosto vermelho da violência. Tento me proteger, ele é mais forte. Tento gritar, poucos ouvem. A punição, quando vem, nada muda. A culpa é minha: nasci mulher e assim permaneço.
Pernas batidas com consistência, mas sem exagero. Coadjuvantes têm seu papel. Preciso nadar.
Os adeuses incompletos: uma amiga perde a mãe; outra, a prima; outra, o irmão. A quarta, salva-vidas, faz tanto, mas ainda é pouco.
O mar, antes tão convidativo, quer me expulsar, barulhento, explosivo. Não posso lutar, ele ganha sempre.
Casamentos terminados, remédios engolidos, mastigados, sem efeito. Cabeças doloridas.
A praia com rastros de outros lugares. Um tronco gigante faria o dia do amigo que transforma madeira em vida. Lembro dos conselhos da sábia senhora: “cruz credo, não se arrisque, que no mar a água é viva”. Mas se é justamente isso que me faz amá-lo. Ele também tem seus desejos e eu o respeito. Preciso, com urgência, nadar.
Passei o dia escutando lindas canções para tentar silenciar aquela voz raivosa da minha cabeça. Ele precisa partir, ele insiste em ficar, em gritar, em sangrar.
O ar engolido me faz continuar com ritmo. Alterno um lado e outro. Por vezes, olho em frente para saber onde estou e para onde vou. Nadar é preciso. Já.
(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho – http://www.flickr.com/photos/thomastaipa )