por Luciana Pinsky
– Ah, mas naquele tempo eu era cabeludo, magro, forte. Agora…
– Agora você é lindo.
– Você não vê?
– O quê?
– Tornei-me careca, fraco, gordo…
– Ih…
– Você finge não perceber porque gosta de mim.
– Nada disso.
– Olha aqui, vê, todo esse deserto já foi cabelo. E preto.
– Não discordo.
– E esta barriga? Eu luto, mas ela não me abandona.
– Sei como é.
– E meus braços? Eu remava, nadava. Agora pedalo e olhe lá.
– Que bom que não é sedentário.
– Pode falar a verdade: não sou mais o cara que você conheceu.
– E quem é?
– Mas, minha querida, é sério que você não me enxerga velho? Mais próximo da morte?
– Você quer saber realmente o que vejo? Empreste-me suas mãos. Isso.
Olho como se fosse a primeira vez. Em algum lugar, escondido entre ossos, músculos e um batalhão de nervos deve estar a resposta que espera de mim. Examino dedo a dedo, as cores, os pelos, as linhas, a carne, a pele.
Se você fosse pianista, seria Yuja Wang. Pintor? Salvador Dalí. Se jardineiro fosse, ganharíamos um oásis. Se escrevesse à mão, teria a letra de minha avó: austera e nobre.
Não, depois da lenta pesquisa não encontrei nada, nadinha. As suas são mãos como tantas outras, nas praças, nas ruas, no ônibus. Nem tão diferentes das minhas, por sinal. Mas eu jamais seria Wang, Dalí ou minha avó.
Se meu estudo não trouxe solução ao enigma, me esclareça você: de onde emana tanto poder? Por que vejo sempre vida, mesmo se me aponta cabelos minguados, gordura, fraqueza? Se esta mão pertence ao Iluminista mais entusiasta que conheci, por que insiste em apagar a luz?
(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho – http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/)