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E foram felizes…

Por Luciana Pinsky

Outro dia recebi um ultimato de uma amiga editora: – Se ainda me quer como leitora e divulgadora de seus textos ficcionais, pare de ser tão soturna. Você só fala de relacionamentos que não acontecem ou que acabam. É muita desgraça. Escreva uma história feliz.

E eu que nunca me considerei cronista de fossa, que nunca julguei meus textos tão lúgubres assim (ok, um ou outro talvez arranquem uma lágrima aqui, outra acolá, mas é só ouvir “Pedaço de mim” para saber o que é triste de verdade), aceitei o desafio.

– Mas, sobre o que você quer que eu escreva?

– Ora, você nunca fala de casamento. Pronto, faça uma crônica sobre casamento.Opa, então casamento é sinônimo de felicidade. Que maravilha. Fui investigar. Sim, porque quem diz que crônica não exige pesquisa nunca teve lagosta como protagonista.

Pois bem, Ela e Ele se conheceram por aí – ele conta que foi na praia, a história dela começa no parque, mas a verdade é que foi em uma festa de casamento: a noiva era amiga dela e prima dele; eles inventaram outra narrativa porque odeiam clichê.

Começaram a sair, ele ligava, ela atendia; ela sugeria, ele compreendia; ele pedia, ela podia;. Era simples, fácil. A vontade era ficar junto e ficavam. A vontade era conversar, conversavam. A vontade era namorar, namoraram. Casaram.

A família dela gostava dele, a dele gostava dela (nada de Romeu e Julieta). Os amigos de um tornaram-se logo amigos do outro, pois tinham tanto em comum (“nossa, finalmente arranjou alguém legal depois de tanto traste”, era o duvidoso elogio que ambos escutavam). E o maior obstáculo foi liberar três gavetas do armário dela para, literalmente, juntarem os trapinhos. Ele não entrou em crise existencial, ela não ficou paralisada por relacionamentos anteriores obscuros. Tudo correu fora da literatura, porque literatura sem tensão é um tanto besta.

Sim, eles brigavam, mas eram brigas de excesso e não de falta. O casamento explicitava pequenas intolerâncias, como a diferença de ritmo (ele gostava de sair 5 minutos adiantado, ela, por mais que se esforçasse, estava sempre 3 minutos atrasada), de espaços (como o próprio início inventado por cada um já indicava: ele preferia praia, ela, parques) e hábitos (ela, que só bebia água e gelada, tinha horror a garrafas quase vazias na geladeira, ele morria de preguiça de enchê-las). Eram picuinhas sem importância e sem consequências, nada de diferenças estruturais ou impossibilidades fatais.

E, assim, com brigas nada cronicáveis e vida divertida nosso casal feliz seguiu, acompanhando tantos desencontros por aí, na família, nos amigos. Por vezes Ela e Ele se espantavam com o tempo juntos. Já 3 anos? E agora, 8? Nossa, 12! Desacostumaram-se à vida solitária, as decisões eram a dois, como o filme, as plantas, o jantar, as viagens.

Ah, as viagens, ambos adoravam (e quem não?). Aceitavam todo e qualquer convite e o pouco dinheiro que sobrava era para isso. Praia, montanha, cachoeira, cidade grande, lugarejos. Iam sempre animados, estudavam os lugares antes, pensavam no itinerário e também reservavam dias para surpresas.

Porém [perdão, amiga editora, sei que você me encomendou uma crônica sem adversativas, mas isso vai além da minha capacidade], um dia surgiu um convite para uma viagem que ele não podia ir – mudara de emprego e ainda não tinha férias. Ela podia. O convite era do tipo pegar ou largar. Ele sentiu, pois era louco para conhecer o lugar. Eles já tinham viajado separado, claro, mas aquele canto era tão desejado por ambos… Ele pensou em pedir para ela ficar, mas com que argumentos? Uma dúvida brotou na cabeça dela. Ela foi. Voltou três semanas depois, alegre, mas também apreensiva com a recepção em casa. Sedenta, abriu a geladeira: quatro garrafas de água cheias até a boca, geladinhas. Seus olhos marejaram. Olhou para Ele e sorriu. Sorriu não. Riu mesmo.

E me jurou:

– A felicidade de um casal consiste em uma geladeira com garrafas cheias de água. O resto é detalhe.

(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho –  http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/

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  1. As garrafas cheias ou vazias eram como bicicletas, estas seriam para passear ou conversar com os amigos o O importante era a briza no rosto e o sorriso dos amigos.

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