abacate
O abacate e o tempo

Ele me pergunta o que é o tempo. Respondo, rápido demais, que quanto mais tempo tenho, menos terei. Ou que uma piscina (ida e volta) é um minuto, também 60 segundos e cada segundo é o toque do dedo na tecla. Que 365 dias (às vezes 366) separam um aniversário do outro.

O tempo é isso, penso, mas nada disso explica o tempo de esticar o braço para cima e alcançar o chuveiro. Ou de passar a gostar de uma música que já estava lá. Ou o tempo de aprender a questionar, de buscar o incerto, o tempo da lágrima sem motivo, do riso sem razão. O tempo de permitir que outro o leve a descobrir-se.

Ele não parece satisfeito. Quer saber cadê esse tempo que não vê. Quer saber se passado e futuro existem ou se somos só agora. E eu, viva em recordações e planejamentos, agarro aquele agora.

Ah, menino, talvez o agora seja este abacate.

Estará no ponto? Sempre verde, então como saber quando abrir? Se antes demais, pega na boca. Se tarde, puro amargor. Toco, de leve. Dizem que precisa ceder, mas voltar. Se estiver inflexível, ainda não dá. Se, ao contrário, perde a forma com um leve toque, sinal que a hora já passou.

Lembra? Ontem eu disse que precisávamos esperar, mesmo você já sentindo o gosto da fruta em sua boca.

Seguro com a mão inteira: parece perfeito. Arrisco agora? Sim, o momento chegou. Com a faca, faço duas metades. A polpa está verde. Verde clara, mas não excessivamente clara. Experimento a colher e a polpa vem facilmente, sinal que a consistência está perfeita. Amasso com o garfo, acrescento leite e açúcar.

Isso, meu menino. O tempo é um abacate esperando por você.

(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho – desenhador.com.br )

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